segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Fadas no Divã

Somos todos repletos de mosaicos de sonhos. As histórias que gostamos de ouvir num eterno repetir se tornam partes de nós. Em algumas comunidades africanas, o conto oral é realizado á noite, que é onde habitam os mistérios da Terra e dos homens. A sedução das fadas e do fantástico nos arrebatam para um mundo repleto de finais felizes. Mesmo sabendo que a vida não é tão cheia de finais assim, nos deixamos levar. A impressão do que somos passa pela consciência da bagagem que levamos e das histórias que nos formam. Todos temos contornos pelo corpo acentuados pelo que vivemos, pensamos, imaginamos. Coloquemos as fadas no divã e perguntemos o porquê de nosso fascínio...Talvez seja por que nos transportamos para o mundo ideal e a beleza de um lugar aonde as coisas se acertam afinal nos traz consolo para uma vida não tão acertada assim. A ficção é importante neste processo de nos transportar para outras dimensões. E a dimensão mais profunda é a de si mesmo. De repente adormecidos por bem menos de cem anos nós cavalgamos em direção á torre em que prenderam quem realmente somos. E temos receio de sentir sensações que ignoramos existir sem saber exatamente por quê. E lágrimas são amarradas contra a vontade até que das idéias abandonadas na torre nasçam tranças das mais reluzentes, pensamentos ansiando pela liberdade. Então, ogros, gigantes e madrastas cruéis nos lembram algumas pessoas que nos dizem que não se pode voar. Tal qual um pásssaro preso em uma gaiola atada com um barbante, nos desesperamos. De repente, vem um flautista e toca uma melodia suave, própria para adormecer os dragões de nossa incredulidade.Ao invés de pricesas encantadas ou príncipes galopantes, temos a nossa mais tenra essência, a caixa de pandora com aquilo que perdemos ou escondemos com medo de que fosse frágil demais para sobreviver num desfiladeiro repleto de tempestades e espinhos chamado vida real. Re-descobri a minha parte escondida numa pequena concha. E o barulho do mar que veio de dentro, me lembrou que a minha felicidade pode estar embutida nas pequenas coisas banais que ás vezes ignoro, como uma pequena e delicada a flor a brotar de um muro coberto de musgo. E que em meio a tempestades é possivel escutar o som que vem do abismo de mim mesmo.E terei então a aurora de novos dias repleta de meios sorrisos e contempleções do belo re-surgido a cada dia. Não entendo muito de histórias. Sei que todos somos um labirinto repleto delas. No dia em que encontrar as fadas quero agradecer por terem inventado a ficção. Em dias sombrios é preciso lembrar de seres míticos que acreditam que novas histórias merecem ser contadas para fazer brotar na alma das crianças um novo riso e irrigar a alma com a lágrima da inocência. Que eu não perca a curiosidade e o encantamento das coisas que me comoveram. E que você leitor esteja pronto para admitir que enquanto criança tem muito a escutar com outras crianças. Uma de minhas melhores amigas é uma criança de oitenta e dois anos...



domingo, 27 de fevereiro de 2011

os contornos de um rosto temporal

O relógio é um objeto fascinante. Têm a precisão de marcar a morte dos segundos e o enterro dos minutos. As horas demoram um pouco mais para fenecer. E o fazem aos poucos, nem por isso escapando da ampulheta temporal. Pensei outro dia que todos temos algum instante que gostaríamos que congelasse, perdurando além do que os minutos banais diários podem fazer esvair. Eis o relógio como carrasco agindo na velocidade de um carro de fórmula um.E de vez em quando ele é sádico, pois queríamos que o instante de uma briga,de uma lágrima, de um rosto desfigurado em dor não durasse muito mais que alguns minutos. Na verdade eles duram, mas são tão pesados que a bigorna de Chronos parece existir para nos castigar de algo que nem sabemos direito explicar. Então os ponteiros se arrastam. O relógio nos tira do sério. Tornamo-nos seus inimigos até que aconteça algo que valha cada segundo.Algo como uma eterna despedida que não se realiza. Já dizia um poeta "Quem foi que nos tocou desse modo a ponto de termos esse olhar de despedida em tudo o que fazemos". Vejo um casal abraçado, compartilhando a linguagem do amor (que é diferente da linguagem do tempo). Pra os amantes não há tempo de esgotar as carícias, os olhares, os beijos, os silêncios. Cada segundo vale o tempo que durar.Tradução da linguagem dos corpos: Não me deixe. Fique mais um pouco. Espere. Olhando um casal de amantes ou de algumas crianças brincando num parque desejo que os relógios inteiros sejam quebrados e o tempo seja sequestrado para poder viver aquele instante um pouco mais.Diante do crepúsculo os minutos cedem um pouco. É preciso contemplar com calma, sem pressa.E também tem a ver com uma despedida. Toda despedida é metáfora da morte, do adeus definitivo. Os braços vão aos poucos se soltando e os lábios dos amantes vão deixando os lábios do outro.Até que reste apenas uma saudade de um tempo que foi para estender seus braços na eternidade temporal das recordações. Lembramos com frequencia das coisas que amamos. Amamos nossas lembranças por que elas vão aos poucos constituindo o desenho de nosso rosto.Nossas linhas de expressão são marcadas pelo passar dos anos e das coisas que vivemos. As rugas da alma se medem pela intensidade com que o fazemos. Podemos não congelar o instante. Mas para torná-lo inesquecível é uma questão de usufruir de nosso tempo. Tempo este que relógio algum pode medir...




sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Cartas de amor rasgadas..



Haviam se conhecido desde a infância do amor dos dois. Foram separados muito cedo e cultivavam entre  si este sentimento nobre que os aproximava cada vez mais. Ambos esperavam que  o casamento do outro terminasse para que pudessem enfim concretizar seu desejo íntimo. A vida havia sido cruel, os casais haviam durado além do previsto. A felicidade jazia nas cartas que enviavam um para o outro na esperança de tornar  o amor indissolúvel pelas areias do tempo carrasco. E eternizaram o instante do encontro inicial. Nunca haviam se beijado senão em sonhos. À fragilidade das lembranças amarravam por uma linha tênue que insistia em alimentar o coração com metáforas e poesias de amor eterno. Enamoravam-se à distância. Um deles estava sempre viajando. Mandava postais de todos os lugares com declarações de instantes que teriam sido completos apenas com a companhia do outro. O outro vivia recluso.Suas companhias eram as palavras que vinham sempre de madrugada e eram atiradas pela janela com o  cheiro do perfume característico do lugar que o outro havia visitado. Sentir o aroma do amante distante, as carícias que brotavam das linhas; imaginar a respiração ofegante do outro ao segurar a carta; a apreensão e expectativa do primeiro e sentirem-se próximos pelo que não haviam vivido. Guardavam lembranças de um mundo inexistente que crescia dentro dos dois como um pássaro privado do voo. Queriam poder voar ao sabor do vento doce  e levitar ao som dos passos de uma primavera grávida de auroras e crepúsculos extasiados de um não-sei -o-que que os haveria de completar no re-encontro.Um dia ambos ficaram sozinhos. E marcaram o encontro que iria uni-los de uma vez só. Poderiam sair das sepulturas que os casamentos indesejados lhe haviam imposto. Encontraram-se  ao por do sol. E o espetáculo era tão belo que desejaram que nunca houvesse terminado. Pela manhã, abraçados, revelaram um ao outro o seu íntimo. As coisas que esperavam do outro, os anseios e expectativas para o futuro breve numa velhice feliz que teriam juntos. De repente, se deram conta de uma coisa. Aquele ser ali á sua frente não era a pessoa que amavam. Ela jazia em algum lugar do passado sepultada junto com as cartas de amor. Retornam a suas casas. As cartas foram rasgadas. Nunca mais se viram desde então.Preferiram viver ao lado do objeto que tanto amavam guardado apenas na lembrança e nas recordações do que poderia ter sido...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sobre o tato e as fragilidades ...


Descobri uma doença curiosa. Uma síndrome. Síndrome como se sabe é o nome que os cientistas dão às doenças que não  entendem direito. Então, eles as reunem em cachos, em conjuntos de sintomas, para parecer que tem o controle. Síndromes são doenças de respeito, levam o nome do cientista que as descobriu. Pois a donça que desccobri é a Síndrome de Nagali. Os indivíduos portadores (quando se tem uma síndrome deixam de ser pessoas comuns, passam a ser indivíduos) caracterizam-se pela ausência total de digitais. Diz a wikipédia:
Além da falta das impressões digitais as pessoas portadoras da síndrome costumam ter unhas, dentes e cabelos mais frágeis e a pele apresenta manchas marrons irregulares pelo corpo. No caso de indivíduos saudáveis que perdem as digitais com o passar do tempo (acidentes, problemas biológicos associados ao clima e contato com produtos químicos) a identificação é feita pelos dedos maiores dos pés ou pela arcada dentária. A alternativa mais viável para reconhecimento é a biometria onde dispositivos eletrônicos identificam o formato do rosto e da íris – únicos em cada pessoa. Até aí tudo bem(?!). O que me assustou foi o fato de que, sem as  digitais, as pessoas portadoras (quer dizer, indivíduos portadores) passam a ser impossibilitados de segurar um copo, por exemplo, ou folhear livros. Fiquei  apavorado após descobrir a última impossibilidade. Faço amor  com os livros quando leio. Tal qual uma namorada gosto de os folhear descompromissado, sozinho no quarto escondido, enquanto as palavras me acariciam de leve. Não imagino-me deixando outro folhear por mim. Imagine você namorando enquanto você fala com  a sua namorada e,  ao invés de você tocá-la, é outro que faz isso enquanto vocês tratam de intimidades. Com meus livros não aceito Ménage a troi. Acho que tenho mais ciumes de meus livros que de qualquer outra coisa. Não poder tocá-los sob ameaça de deixá-los cair e espatifar as narrativas em pleno tapete me seria muito triste.Nem quis saber da tal de biometria. Me assusta pensar que tenho que ter meu rosto identificado por aparelhos eletronicos para voltar a ter tato com as coisas que amo. Os autores que amo conhecem meu rosto. Vivem em comum-união comigo. Cada vez que leio Camus, Alberto Caeiro, Willliam Blake, Adélia Prado, Mario Quintana, não preciso que dispositivo eletrônico algum identifique meu rosto Ele se confunde com as páginas que leio e me torno algo que os livros bem sabem e que não conto a ninguém. É uma intimidade que só eles podem conhecer. Somos amantes. Mas se eu não tiver digitais, como vou poder tocá-los. Estarão frágeis (ou estaremos nós?) . Estaremos distantes como a ilha de Saramago  no "Conto da ilha Desconhecida". Por não poder tocar e sentir a superfície, não chegaremos mais ao fundo de nossas essências. Nos perderemos no abismo de nossa falta de intimidade e nos recolheremos ao vazio do mundo das pessoas desprovidas de tato. Aí constatei uma coisa muito mais triste. O mundo está cheio de pessoas que não querem sentir nada. Possuem digitais, mas se escondem sob as luvas da dissimulação. Decidem não se aproximar por medo da partida definitiva. E se privam das marcas significativas que poderiam somar a suas vivências. Existe tanto vazio pelas ruas, tantas fragilidades nos cabelos da alma dos transeuntes. De vez em quando percebo uma mão tímida que tenta sair debaixo da luva das camadas que criamos para nos defender dos sofrimentos que os outros podem nos causar. Esquecemos de uma coisa essencial. Nos falta tato. Mas as digitais não nos impedem de tocar os outros.Os outros temos ao longe. O pior de tudo  é esquecer de folhear as páginas de si. Perdemos aos poucos, sem perceber a capacidade de tocar a nós mesmos. Contra isso, não há biometria que nos salve...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Lembranças de um dialeto repleto de sotaques e nuances...





Chegando lá você encontra gente estranha e desconhecida. O ar é inespirável. Os fôlegos antecipam o teor de apreensão que pode tomar conta de você até que comece a se soltar para conhecer algumas pessoas. Sorrisos tímidos contidos na  única pergunta que resume nossa surpresa: de onde você veio? Sim, todos viemos de mundos diferentes, de lugares que não se comunicavam e de repente estamos ali, naquele lugar. Sem que nos demos conta, estaremos conhecendo pedaços de nós mesmos. Como nunca te encontrei antes? A gente é tão parecido... Sim, as distancias podem separar almas irmãs, sorrisos à espera do abraço do outro, braços à espera de uma nova canção que fale dos mistérios da separação daqueles que tinham o outro em si sem ter ciência disto.E sem que houvéssemos percebido o mundo desconhecido nos parece familiar. E a multidão de rostos sem face transfigura-se em sorrisos e somos arrebatados para aonde queríamos poder ficar a vida inteira. Restarão lembranças das festas, dos beijos, encontros às escuras e conversas jogadas fora (as jogadas fora são as que ficam, irônica-mente) e a mistura de sotaques, linguas diferentes falando o mesmo idioma, da proximidade. O ônibus disseminando risadas gostosas e sonos compartilhados em um quase sorriso. E, depois de muitas festas e muitas partilhas de vida e espaços, temos esse olhar de despedida. É preciso um olhar de adeus em tudo o que fazemos. Não pela possibilidade de morte, mas para viver cada átimo de segundo, cada resquício de eternidade. Para durar o instante e um pouco mais. Com certeza este ficará na lembrança. Aos meus queridos amigos e conhecidos de  I ELAEL (encontro latino americano dos estudantes de letras ), fica um forte abraço e a certeza de que encontraremos novamente no olhar e nas recordações. Até nos virmos novamente, uma saudade gostosa e a certeza de que é essa saudade que torna encantadas as pessoas. Da próxima vez que nos virmos, estaremos ainda mais bonitos, porque nos haveremos de alimentar nossas almas com os resquícios de um pouco de cada um que encontramos, para nos preenchermos com os ecos de um vazio crepuscular a beira do abismo de nos mesmos...

sobre pragas e dissimulações...

Entrei em uma selva iluminada e encontrei silêncios ensurdecedores e sussurros gritantes de algum animal a espera. Era apenas um mosquito.Se sentia sozinho. Pediu que eu deixasse ele me picar. Estava com sede. Precisava extrair de mim um pouco do sangue que  era minha fonte vital de energia. Sou doador de sangue há alguns anos.Podia saciar aquele ser insignificante. Deixei o vampiro mosquito beber alguns glóbulos (em certo momento nem sei mais que cor eles tinham, por causa da quantidade que ele sugava de mim). O mosquito começou a crescer e eu a enfraquecer. Então, puxei o braço com força. Ele havia crescido muito enquanto se alimentava e havia se tornado um ser de tamanho fenomenal. De repente, como não podia mais alimentar-se por mais que tentasse, pois eu relutava em deixar, ele explodiu. E transformou-se em milhares de mosquitos que vieram em minha direção. Acordei repleto de sinais de alergia. Havia esquecido de usar o repelente.Fiquei pensando que algumas pessoas são assim como mosquitos. sugadores de uma energia que não possuem. Simplesmente por não se darem o direito de acreditar em si mesmas. Carecem do outro. Todos os dias. Sou doador de esperanças. Semeador de estrelas. Só que se me apareceu um receio. E quando eu precisar, haverão doadores para abastecer minha face esgotada?As pessoas me perguntam o porquê de eu rir com tanta frequência. Não é verdade. sorrio apenas quando tenho vontade e com a maior transparência. Para que o riso chegue com a maior intensidade a todos que o virem. Pode fazer toda diferença na vida de alguém. Pena que escassos os sorrisos, sobrem apenas repelentes nas mãos de alguns dos que ofereci partes de mim quando haviam quase fenecido sob o peso das dificuldades. As verdadeiras pragas são os dissimuladores.


terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

sobre abismos, amigos e farois


Encontrei o espelho de um sorriso meu há poucas horas de viagem atrás. Nos falávamos pela net há algum tempo e descobri que podemos encontrar na rede fria de relacionamentos algumas pessoas inestimáveis. Que podem vir a se tornar partes de você mesmo.é o caso do Leandro de Porto Alegre. Demorei para encontrara alguém que risse das catástrofes que nos acontecem no cotidiano. Achei que fosse só eu. Afinal, quando se está fadado a cair num poço, poucos são os que não reclamam da vida. Eu uso a experiência para treinar um pouco de rapel. Aprendi a sorrir em meio às dificuldades.(tipo a dificuldade de saber se aqui tem crase ou não), para que meu sorriso seja farol, um sinal luminoso que faça com que me encontrem mesmo em meio ao abismo.Para chamar a atenção de quem estiver perto. Se perguntarem: Caiu aí? Eu respondo que vim só curtir  a vista.Estava quente aí em cima.Aqui é umido e fresquinho.Ora, num dos dias em que cai num poço (e a vida também é uma sucessão de poços intermináveis, tudo depende do modo como você encara as coisas), o Leandro estava por perto. E não só viu  meu sorriso como retribuiu com um riso suave (ora debochado, como só ele sabe fazer, do tipo que não ofende). Minha maior felicidade é encontrar pessoas que certificam minha tese de que é possível confiar nas pessoas e encontrar pessoas muito especiais pelo caminho, que fazem você esquece das mediocridades da vida. Ora, o Leandro não jogou a corda para que eu subisse. Fez algo inusitado. Jogou duas cordas. Amarrou-as bem forte numa pedra enorme que havia por ali e soltou seu corpo no abismo do poço. Do meu lado, com um sorriso no rosto, começou a escalar junto comigo. Escalamos juntos o poço feito crianças. Quando saímos não havia pedra alguma. Percebi que quando sorríamos, dentro do poço, a corda ia ficando mais forte.  não sei aonde ele esteve este tempo todo. Amigos de verdade as vezes aparecem do nada.Aumentou em mim o desejo de um abraço Foi o que deixei com ele antes de partir e um sorriso de dentes escancarados, que ele retribuiu a seu modo. Não sei se o que vi foram resquícios de uma lágrima em seu olhar. Ou se eram os meus olhos que estavam marejados. Só tenho uma certeza. Quando ele estiver no poço, eu terei comigo a corda mais forte. Em meio aos abismos é possível encontrar morangos no meio do caminho e colher os frutos de sorrisos desfeitos em uma luz de farol. E se uma lágrima brotar na face por descuido, haverá a lembrança daquele abraço apertado e sincero de um dia que poderia ter sido ruim até trazer surpresas desfeitas em um riso calmo e suave, agora gravido de saudades...

Entre a vida e a ficção

Tantas coisas passam pela nossa mente quando temos um logo período de espera pela frente. É o álibi perfeito para o devaneio. Escrevo para (des)construir as imagens que vão aparecendo uma após a outra em sentidos esquizofrênicos. Não se trata de por as coisas em ordem, pois a vida não segue uma ordem definitiva. Exceto a certeza de nascer e morrer, que acontecem nessa sequência a menos que você seja Benjamin Button, claro, mas aí é ficção. Não sei direito quando a vida deixa de ser palpável para se tornar ficcional. Alguns fatos e acontecimentos inusitados poderiam render algumas tramas bem excêntricas.Não tenho competência para escrever romances. Prefiro as crônicas, que vão direto ao ponto.Porque então não escrever?Afinal todos temos histórias fabulosas e vivências inesgotáveis. Por que não escrevemos? Por alimentar nossa pequenez diante dos imortais da academia. Que nem sempre foram imortais. Alguns nem desconfiavam que se tornariam.E assim a vida vai se misturando à ficção incessantemente, sem que percebamos. De vez em quando, acontecem umas coisas assim muito estranhas, engraçadas, exdruxulas, sem explicação (não necessariamente nesta ordem).Algo como perder o avião que você comprou passagem quatro meses atrás por que a empresa simplesmente resolveu trocar de terminal sem levar em conta os desavisados que  que não residem na cidade do dito aeroporto. Então, quando você vai pedir restituição do valor do dinheiro daquela promoção miraculosamente inexplicável, ele não pode ser devolvido, por ser ínfimo demais.(Uma ironia das grandes para lembrar que você deve sempre carregar consigo o telefone da mãe Diná para o caso de o avião trocar de terminal e então você saber ao menos com antecedência mínima antes do voo.Então suas férias que começaram maravilhosamente bem (excetuando o roubo da semana passada em que lhe levaram pouco mais de 600 reais, ironicamente o valor da nova passagem aérea que você poderia comprar na alta temporada) começam a mudar de figura. Você está quase desistindo da viagem quando lembra que já comprou a passagem aérea, reservou, quitou, estes sinônimos que resumem apenas quatro meses de expectativa. Você pode esperar mais um pouco, não é? Claro que não! Juntando as forças que lhe restam a solução mais rápida e eficaz parece ser ir até a loja mais próxima e comprar uma corda para laçar a cauda do avião (sem taxas adicionais de voo, deixando pra lá a lei da gravidade e a possibilidade de ser engolido e estraçalhado pelas turbinas da aeronave). Então surge um amigo. Sem corda nas mãos para sugerir que você vá de ônibus. Claro, como não havia pensado nisso. Você pega o primeiro metrô do aeroporto para a rodoviária e compra a passagem. Depois de um tempo, olha para o bilhete. Serão indescritíveis 26 horas em um ônibus da cor que você menos simpatiza,  (algo do tipo, bem amarelo). E não é só isso, haverá uma conexão. Você não sabia que ônibus também fazia conexão, sorri amarelo e entra no transporte. Ironicamete, o motorista deseja uma boa viagem, lembrando das 26 horas até o destino, um dia apenas e duas horas a mais, as ditas duas horas que levaria para ir de avião. A próxima aquisição não será mais uma corda e sim uma barraca, para o caso de você ter que acampar no aeroporto para voltar em duas horas, claro. E se ameaçarem trocar de terminal, seja o primeiro a ir para o outro terminal antes da empresa, para não haver perigo de atraso. As 26 horas então terminaram. E isso é só o relato de uma ficção. Ou não. Pode acontecer com qualquer um. Talvez valha a pena ser narrado.Agora, dêem-me licença que o ônibus acabou de chegar...