segunda-feira, 28 de março de 2011

Um cemitério de amores



Sofro desde a inconsciência de pressentir a dor. Meus amores são assim uma coisa com prazo de término. As soilidões multiplicam-se cada vez que abro a porta e encontro a calçada vazia, a grama verde sem passos e a rua sem marcas de pneus dissolvidos em marcas tão profundas quanto a ausência que se acentua com a partida. Outro dia li este termo que dá nome a este texto. De início, pareceu-me macabro, cheio de odores putreficantes e maus agouros de palavras secas e sórdidas. Olhei para o meu corpo no espelho. Pareceu- me que ainda estava vivo o suficiente para dizer que amei de verdade. Os anos passam seguindo uma ordem cruel de separação. As pessoas que amo, algumas foram arrancadas de mim sem que eu fosse avisado de sua partida. E os olhos jazem solitários pelas ruas a esperar por algo que nem sei se vai retornar, ansiando por uma parte de mim mesmo que se ausentou... Percebi que de amores às vezes restam apenas ossos. Ossos que precisam ser adubados, colhidos, lavados e plantados em algum jardim para que lhes cresçam vísceras e pele.  Cada amor insepulto em mim é uma ferida aberta que observo todos os dias, cuidando para que não cicatrize. Podemos alimentar receios de não viver algo tão puro e intenso quanto o instante que nós sepultamos em num túmulo  aberto que visitamos com frequência, sem a coragem de dizer o adeus definitivo. Tornamos nossa vida um cemitério de amores. As solidões vêmm somar-se ao silêncio e a tristeza espera em cada parte do quarto. Não haverão de pisar a grama verde, nem bater á nossa porta. Algumas ressureições simpesmente não ocorrem. Visite de vez em quando seu cemitério de amores. Todos temos um dentro de nós. Mas não esqueça de que fechados os portões, exauridas as recordações algozes deve-se enterrar os ossos no jardim mais rico de sementes e regá-los bem. O que restam, ao final de tudo, são mesmo os ossos. Mas eles podem brotar novamente como a vida que você insiste em esquecer. Muito além da grama verde e das portas vazias...

sexta-feira, 25 de março de 2011

sobre os verdes e aquosos contornos de si

Entre os verdes e folhas de outono em pleno verão, descobri que as folhas adormecem ao cair, porque antes estavam lá verdes, vistosas, como um olhar que eu conheci. Há pouco tempo atrás, observava uns troncos robustos de uma floresta. De repente, percebi que eles aos poucos foram se enrolando aos meus braços. Os galhos unidos às minhas veias, a copa brotando em meus cabelos e as flores e os frutos confundindo-se em meus lábios e contornos de meu rosto. Vi ao longe um tapete de raízes explêndidas e uma montanha exuberante estendendo seus braços no horizonte com seus picos exibicionistas. Uma das folhas saiu de uma das árvores da montanha para acariciar minha face e foi se incrustando em meus olhos, esverdeando meus sentidos. Tornei-me verde e aquoso. Um penhasco pegajosamente líquido, um bosque desbravadoramente provocante, os olhos repletos de lagos de águas cristalinas. Então, um sábia veio pousar em meu ombro. Já não são mais ombros, transformaram-se em galhos de jequitibás. De vez em quando uma cachoeira passava onde antes eram minhas pernas. Olho atentamente com meu olhar de lago e percebo que onde antes havia a floresta, há agora um menino, guri que eu conhecia de espelhos e cacos atrás. Ele me observa ora atento, ora distraído a floresta que tem diante de si.  De repente, os galhos, luzes e cachoeiras vão aparecendo em seu corpo.Ao final, vejo à minha frente apenas o bosque de antes. Restaram-me os rios e essa alma de cachoeira que chove dentro de mim. Sei que já fui verde e aquoso. De vez em quando um sábia vem fazer ninho em meus ombros...


Sobre a (ins) piração ...

Uma folha cai de um quadro sobre uma página em branco e reclama seu lugar. O muro desfaz-se em signos, o caminho se faz rumor nos calçados do viajante. E o poeta sem saber o que escrever... Um delicado lírio suspira e a brisa ora derruba a caneta ora esconde-se entre os cabelos tal qual criança travessa. A moldura desprende-se do quadro recusando-se a delimitar espaços, cansada de criar prisões e gaiolas. E o poeta distraído não percebe que aí tem motivos de sobra para a mais tenra poesia...Os contornos da sala causam labirínticas sensações e a procura da poesia encerra-se no ato de deixar cair a caneta que jaz repleta de tinta, sangue banhado de imagensque reclamam seu lugar no papel para depois recolherem-se indignadas à moldura que as libertou. O poeta apenas sorri. Já tem a inspiração necessária. Lança- lhes um olhar de ternura. Ele escreveu em sua carne um texto que viverá consigo para não desprender-se dele jamais...

sobre os ecos e as vozes da sede

Um menino tem fome...Perdido em meio a um lugar desprovido de sensibilidade, anda pelas ruas esfarrapado e triste...ninguém o observa. Procura algo que sacie o vazio da crueldade de não haverem sentido suas ânsias escancaradamente expostas. Passam pessoas a todo momento. Não olham para a criança abandonada, de olhos lacrimejantes reclamando seu direito de suprir uma necessidade com uma intensidade tamanha e o que faz é apenas chorar baixinho. Até que aparece um poeta. O menino diz que tem fome. O poeta entrega-lhe o prato. As bordas são deliciosamente contempladas. Aquele prato é diferente de todos os que já lhe ofereceram. Observa  a comida delicadamente espalhada na superfície que até sente pena de devorar. Mas o seu interior fala mais alto, algo dentro de si reclama o preenchimento. O vazio do guri vai ficando repleto até a borda. Ele vai tornando-se outro aos poucos, aparece uma nova consciência de si e do mundo á sua volta. Timidamente agradece o poeta. Não tem mais fome. Apenas uma sede inesgotável de algo que não sabe definir direito. E dirigem-se a um restaurante repleto de pratos dos mais variados sabores.Ele dirige-se hesitante até a porta. Entra em estado de contemplação e inicia  o ato de devorar cada ingrediente para depois misturá-lo a outros. Descobre temperos novos que antes eram seus e que não sabia trazer consigo. Deixa aos poucos a timidez, amadurece a cada instante. Agradece ao poeta. Sai com um prato em mãos a procurar outro menino carente sedento do alimento pleno que tem em mãos. E sai pelas ruas sorrindo a lembrar que no encontro com algumas páginas desconhecidas tornou-se um leitor ciente da existência do mundo das palavras ... palavras que aos poucos vão entranhando na carne até tornarem-se um só com aqueles que as acariciarem com os olhos e lábios amantes...

quarta-feira, 23 de março de 2011

lágrimas em retratos e lembranças...

E onde será que você está agora?... Olhou a foto muitas vezes. Receou que as lágrimas maculassem o rosto que tinha na frente de seus olhos, opacos, envoltos na penumbra distância que os separavam. Queria poder rasgar aquela prova de amor. Queria  poder sair dali gritando o refrão de uma música que ouvira há pouco "To indo embora...vou ver o mundo lá fora...Se tá sofrendo agora chora". Mas quem  chora é você.Ao longe uma música triste parece traduzir o vazio em suas mãos. Um pequeno papel pode ter um poder enorme de fazer ressurgirem instantes. Pequenos fragmentos delicados que se vão tecendo a sua retina. Os lábios umedecidos com o sabor do último beijo e você não entende como podem estar tão distantes. Sai da sala e vai para o quarto. A cama desarumada indica um resquicio de amor realizado. Realizados os desejos, resta somente um silencio apenas cortado por um barulho que você não sabe defnir direito. Caminha até a porta. No corredor, jazem os passos deixados pelo vento.E você inveja  a brisa que deixou um beijo nos lábios do rosto que agora você tem em mãos. Na foto, somente os dois. Mais nada. Sente saudades.Vai até o portão. Olha o caminho que tantas vezes você mesmo trilhou para ir receber aquele rosto que você achou que conhecesse. Estava enganado. Da pessoa que amou, resta apenas uma foto, um retrato do mais perfeito vazio.Ouve um barulho dentro de casa. Esconde a foto. Aquele mesmo rosto vem em sua direção, mas você não pode abraçá-lo. Os lábios vêm ao seu encontro. O olhar triste de alguém que é apenas um resquício de lembrança, um nada luminoso se apagando aos poucos. Então você olha para fora. As bordas de um sombreado abaixo de sua cintura vão delimitando um quadro a seu redor. E um rosto, aquele mesmo rosto que você viu antes agora está enorme olhando para você. Não consegue se mexer. Imobilizado até sentir uma gota na retina esquerda que vai se estandendo e correndo pela  face. Só agora você percebe que as mãos que seguram o quadro em que você está tremulam um pouco. E é você quem não está ali. Perdido num lugar distante, você pode estar olhando para a mesma foto. Ao seu lado não há mais ninguém. Apenas um rasgo de algo decepado pela tesoura...

estranheidades

Contornou as ruas com seus passos frágeis. Indicou caminhos aos passantes, coloriu o verde dos musgos  com a retina. Incrustou um brilho nos olhos opacos das mulheres. Fez careta para as crianças de colo na parada de ônibus. Devaneou horizontes sombrios para as tartarugas que nadavam sem saber o destino putrefacional que viria. Escutou o canto do canário antes que este fosse acertado pelo guri que mirava o estilingue no peito no instannte do sibemol, tão apertadoramente ligado quanto o suspiro do último canto. Admirou os cisnes no outono, ansiosos em exalar o último canto nas narinas auriculares banais dos cotidianos que os circundavam. Enamorou-se de um quadro com uma moça que lhe sorria ironica e sarcástica. Olhou com desprezo a guria que comprava o último celular que vinha trazendo no colo. (Isso mesmo, o último modelo é que leva o dono para casa e não o contrário). Avistou televisões que jogavam água nos expectatores após uma matéria na praia no noticiário local. Uma cena de novela em que a empregada da trama delicadamente passava a quem tivesse assitindo de dentro do aparelho um lenço de papel. Viu um sol se por ao contrário, sob sua cabeça. E uma fumaça saindo do chão de uma das chamines de uma árvore dstante. Descobriu que tudo estivera de cabeça para baixo. Aprendera a caminhar pelo lado avesso. As pessoas lhe acenavam, outras desmaiavam, outras nem ligavam, que isso devia ser coisa de algum Houdini ressurgido. Andava pela copa das árvores. Ligava a frigideira e os ovos lhe caiam na cara. Cortava grama e estando de cabeça para baixo ainda tinha tempo de aparar algumas nuvens aqui e ali. Até que um dia começou a levitar; levitar; até seus pés tocarem alguma superf]ície que ele nem sabia o que era. Sentiu o pesado cheiro da grama molhada e as águas caudalosas de uma enchente o levaram embora até uma cabana. Nunca mais saiu dali. Uns poucos o viram de vez em quando ensaiar alguns passos no teto em vão. Faz anos que não dorme. Não quer perder a oportunidade de voltar a sentir a liberdade de voar. Ás vezes sente-se leve. Amanhã vai cair no sono devagar até o abismo mais profundo... E os cisnes haverão de cantar a melodia mais triste, como no dia em que ele esteve num quarto de hospital  acompanhado de um zumbido fraco num aparelho ao seu lado...


segunda-feira, 7 de março de 2011

Contornando os mares entre as nuvens de um rosto imperceptível...

Pela janela do avião as nuvens que antes jaziam inertes ao nossos olhos terrestres tomam contornos definidos pelas janelas dos sonhos que a pupila do passageiro traz consigo. Ao voar entre cada pedaço de pluma esbranquiçado (ás vezes tão levemente pesado) percebemos o quanto acentua-se em nós o reconhecimento de nossa pequenez. Vejo rios, montanhas e casas formiguinhamente expostas ao longe encobertos pelo ar que encontra os ventos róseos das distrações. Estar entre as nuvens é uma situação inexplicável. Sentir o fino algodão próximo destraídamente ir expandindo os braços em direção á pupila em estado de encantamento é a mais pura tradução de leveza. Enormes blocos de paisagens avistam-se no horizonte. Há um mar espahando sua espuma entre devaneios e tons reveladores de um vazio tão profundo...De vez em quando elas separam-se (essas coisinhas flutuantes que costumam chamar de nuvens e que eu chamo de moradas dos sonhos, junto com o mar e o crepúsculo). Elas formam figuras tão volúveis quanto a imaginação puder destacar. Nos rios e contornos de cada olhar se confudem as visões nubladas repletas de cerração  das visões dos que contemplam. Nos resta apenas meditar. Levitar ao sabor do vento é uma experiência única. Um dia, conheci um guri que embarcou numa aeronave metamorfoseada em nuvem.  Neste instante da transformação completa, ele aos poucos esquece as máscaras de oxigênio, as poltornas flutuantes e se deixa levar na imensidão do mar azul.Até aterissar sem saber onde está. Ao desembarcar daquela nuvem percebe uma rocha  próxima que lhe parece familiar. E, antes de acordar consegue ver um rosto com as linhas de expressão misturadas a uma névoa espessa. Vai até os olhos, move as pálpebras, desenha com as mãos o contorno dos lábios e deita-se ao lado das bochechas, formando com a pele um travesseiro. Adormece até algo que parece ser uma manhã. Vai então aos poucos acordando e então resolve, sem a interferência das brumas de outrora reconhecer o rosto. Consegue perceber que o tempo todo deitou sobre a superfície de um espelho. No chão inerte, sem os contornos da noite nublada, jaz um espelho. Apenas o reflexo de seu rosto expandido sobre a superfície daquela montanha...



Quando as portas da gaiola jazem abertas...

Nunca entendi direito as regras da hospitalidade. Nem o modo como algumas pessoas simplesmente se prendem a detalhes insignificantes para as pessoas em geral, mas que para elas tem a maior relevância. Somos expulsos deste mundo particular sem quaquer receio. Nosso reles corpo mortal não se encaixa nos padrões napoleônicos individuais de determinadas pessoas. Quem foi que criou a madita primeira impressão?! E a máxima ingenuidade acontece quando nos prendemos a esta.Por que podemos nos enganar. O pior é que num mundo regido pelo individualismo e centralizado nos egocêntricos valores reducionistas das impressões imediatas não há lugar para a tolerância com o diferente de nossas percepções.Somos reféns do imoral. Porém, as pessoas deveriam se preocupar com a repercussão de seus atos. Criança travessa que sou ás vezes esqueço. Jogo bola na vidraça do egoísmo enclausurado de algumas pessoas.Elas não estão acostumadas com a simplicidade.Regras são um jeito (in)falível de acreditar que a vida pode ser medidas de acordo com algumas pesagens individuais de conduta. Um dia fui visitar um amigo. Há tempos que não nos falávamos. E uma conversa desinteressada ao telefone pode alimentar falsas esperanças sobre o outro. A convivência é uma pedra jogada no teto de vidro das aparências. Enquanto conversávamos na sala do apartamento, um conhecido em comum tocou o interfone. Alguém tinha que descer para abrir a porta do térreo que estava trancada. Eu fui sem relutar, sem perceber que havia quebrado uma das regras particulares do anfitrião. Foi meu erro mais grave. No mundo daquele homem, sendo ele dono do apartamento, somente ele poderia atender a porta. Ficou chateado com um detalhe que para mim parecia tão insignificante. Pessoas com muitas regras são frágeis. Não suportam ficar á beira de um abismo. O desconhecido as assusta. A vida tem que ser previsível, engaiolada, restrita. Não se permitem voos altos, nem mais profundos. Fico triste quando encontro pessoas assim. Prender -se em gaiolas é o jeito mais fácil de desconfiar da porta aberta e recear o desconhecido selvagem que reside em cada um. Algumas pessoas, vivem assim mesmo, preferindo metamorfosear-se de águias em meras galinhas domesticáveis...