domingo, 27 de fevereiro de 2011

os contornos de um rosto temporal

O relógio é um objeto fascinante. Têm a precisão de marcar a morte dos segundos e o enterro dos minutos. As horas demoram um pouco mais para fenecer. E o fazem aos poucos, nem por isso escapando da ampulheta temporal. Pensei outro dia que todos temos algum instante que gostaríamos que congelasse, perdurando além do que os minutos banais diários podem fazer esvair. Eis o relógio como carrasco agindo na velocidade de um carro de fórmula um.E de vez em quando ele é sádico, pois queríamos que o instante de uma briga,de uma lágrima, de um rosto desfigurado em dor não durasse muito mais que alguns minutos. Na verdade eles duram, mas são tão pesados que a bigorna de Chronos parece existir para nos castigar de algo que nem sabemos direito explicar. Então os ponteiros se arrastam. O relógio nos tira do sério. Tornamo-nos seus inimigos até que aconteça algo que valha cada segundo.Algo como uma eterna despedida que não se realiza. Já dizia um poeta "Quem foi que nos tocou desse modo a ponto de termos esse olhar de despedida em tudo o que fazemos". Vejo um casal abraçado, compartilhando a linguagem do amor (que é diferente da linguagem do tempo). Pra os amantes não há tempo de esgotar as carícias, os olhares, os beijos, os silêncios. Cada segundo vale o tempo que durar.Tradução da linguagem dos corpos: Não me deixe. Fique mais um pouco. Espere. Olhando um casal de amantes ou de algumas crianças brincando num parque desejo que os relógios inteiros sejam quebrados e o tempo seja sequestrado para poder viver aquele instante um pouco mais.Diante do crepúsculo os minutos cedem um pouco. É preciso contemplar com calma, sem pressa.E também tem a ver com uma despedida. Toda despedida é metáfora da morte, do adeus definitivo. Os braços vão aos poucos se soltando e os lábios dos amantes vão deixando os lábios do outro.Até que reste apenas uma saudade de um tempo que foi para estender seus braços na eternidade temporal das recordações. Lembramos com frequencia das coisas que amamos. Amamos nossas lembranças por que elas vão aos poucos constituindo o desenho de nosso rosto.Nossas linhas de expressão são marcadas pelo passar dos anos e das coisas que vivemos. As rugas da alma se medem pela intensidade com que o fazemos. Podemos não congelar o instante. Mas para torná-lo inesquecível é uma questão de usufruir de nosso tempo. Tempo este que relógio algum pode medir...




2 comentários:

  1. é incrível a maneira que tu escreve!!!!! cada palavra é escolhida com tanta sabedoria que o texto fica exato,inteligente...já sentí e sinto tudo o que descreveste aí!!!e quem não sentiu??! eqto estava lendo ouvia enya. simplesmente já sou teu fã,adoro teus textos,teus devaneios... retratas os meus sentimentos e os sentimentos de tantas pessoas. Sabes que tenho tantos pensamentos "loucos"!costumo expressá-los em desenhos,pinturas... faço constantes introspecções,comparações de épocas que viví,sentimentos,conflitos,épocas difíceis e momentos felizes que tive durante minha vida!!!!! faço isso contemplando um lindo pôr do sol,ouvindo uma boa música.... e parece que parte de meus pensamentos foram captados por tí... e publicados aqui neste maravilhoso e rico blog!!!

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  2. - Novamente Éderson... com um pouco da minha maldição.

    Não é raro que nos encontremos em teus textos, e nem tão difícil, também, que teus temas acertem em cheio um interlocutor, curioso e que não duvida do efeito do qual será a própria causa.
    E foi assim que eu voltei para o Blog. Finalmente algum "tempo" para ler, selecionar, postar lá lá no meu legado, que um dia acabará, por culpa do tempo... Fica aqui o momento que eu gostaria de congelar. Minha vida passando, o prazer de ler alguma coisa assim, e uma mentalidade de insignificância frente ao relógio.

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