quarta-feira, 23 de março de 2011

estranheidades

Contornou as ruas com seus passos frágeis. Indicou caminhos aos passantes, coloriu o verde dos musgos  com a retina. Incrustou um brilho nos olhos opacos das mulheres. Fez careta para as crianças de colo na parada de ônibus. Devaneou horizontes sombrios para as tartarugas que nadavam sem saber o destino putrefacional que viria. Escutou o canto do canário antes que este fosse acertado pelo guri que mirava o estilingue no peito no instannte do sibemol, tão apertadoramente ligado quanto o suspiro do último canto. Admirou os cisnes no outono, ansiosos em exalar o último canto nas narinas auriculares banais dos cotidianos que os circundavam. Enamorou-se de um quadro com uma moça que lhe sorria ironica e sarcástica. Olhou com desprezo a guria que comprava o último celular que vinha trazendo no colo. (Isso mesmo, o último modelo é que leva o dono para casa e não o contrário). Avistou televisões que jogavam água nos expectatores após uma matéria na praia no noticiário local. Uma cena de novela em que a empregada da trama delicadamente passava a quem tivesse assitindo de dentro do aparelho um lenço de papel. Viu um sol se por ao contrário, sob sua cabeça. E uma fumaça saindo do chão de uma das chamines de uma árvore dstante. Descobriu que tudo estivera de cabeça para baixo. Aprendera a caminhar pelo lado avesso. As pessoas lhe acenavam, outras desmaiavam, outras nem ligavam, que isso devia ser coisa de algum Houdini ressurgido. Andava pela copa das árvores. Ligava a frigideira e os ovos lhe caiam na cara. Cortava grama e estando de cabeça para baixo ainda tinha tempo de aparar algumas nuvens aqui e ali. Até que um dia começou a levitar; levitar; até seus pés tocarem alguma superf]ície que ele nem sabia o que era. Sentiu o pesado cheiro da grama molhada e as águas caudalosas de uma enchente o levaram embora até uma cabana. Nunca mais saiu dali. Uns poucos o viram de vez em quando ensaiar alguns passos no teto em vão. Faz anos que não dorme. Não quer perder a oportunidade de voltar a sentir a liberdade de voar. Ás vezes sente-se leve. Amanhã vai cair no sono devagar até o abismo mais profundo... E os cisnes haverão de cantar a melodia mais triste, como no dia em que ele esteve num quarto de hospital  acompanhado de um zumbido fraco num aparelho ao seu lado...


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