terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Silêncios luminosos que dizem mais do que calam

Existem silêncios luminosos que dizem mais do que calam. O silêncio após a leitura de um livro, por exemplo. Não é que queiramos não seguir em frente. Queremos a pausa silenciosa do ruminar de algo que nos tocou de leve, roçou suave suas mãos em nossa face e nos embalou para dormir por muitas noites.Queremos o tempo necessário para lembrar das palavras que amamos, dos momentos em que choramos por nossa triste incapacidade de não poder invadir o reino das palavras e das histórias para salvar este ou aquele personagem. Ou para sentar-se á sombra de uma árvore e observar de perto os acontecimentos. Na verdade, toda leitura é um pouco desse sentar-se á sombra de uma árvore para escutar, ouvir, calar fundo para transcender a nossa realidade. A literatura serve ainda para esta inutilidade de não poder ser contabilizada, de poder ser sentida, de poder nos falar baixinho, ora gritando suas verdades ou ficções. Melhor ficção do que mentiras. Se não aconteceu é mentira?! Não pode ser, a palavra mentira tem o poder de matar as outras palavras. As estórias que amamos estão na terceira margem do rio, no lugar onde as coisas não existem. E se nunca existiram, é para que renasçam a cada leitura, a cada suspiro, a cada...palpitar suave de uma releitura. Reler um livro que amamos não é se repetir. É dar uma prova de amor, sempre insaciável. O leitor tem o poder de um ritual mágico nas mãos. É dele a tarefa de arrancar os personagens do âmago daquele universo das coisas inexistentes para trazê-los á vida. E os personagens, nesse ritual arrancam-no de seu cotidiano e o carregam para aquele mesmo universo. Vida e ficção se misturam?! Sempre haverá espaço para dizer o não dito, para sugerir que as coisas podem ser desfiguradas e extraídas suas essências, dizer muito mais com seus silêncios luminosos. Quando a última página é virada, o livro nos faz companhia.  Mas há os desenhos, os seriados, as novelas, que são enfiados goela abaixo com seus estere
ótipos  intermináveis. A nossa "ração diária de ficção", como bem os caracterizou, Daniel Pennac no delicioso "Como um romance". E o autor conclui sabiamente " isso enche a cabeça como se enche a barriga, sacia, mas não fica no corpo. Digestão imediata. Depois nos sentimos tão vazios quanto antes."Descobri outra expressão que tornou-se uma de minhas favoritas: "coração de tinta". A verdadeira questão não é saber se tenho ou não tempo para ler. É descobrir se posso me entregar ou me oferecer a felicidade de ser leitor...


Um comentário:

  1. Poucas vezes reconsiderei ler o já lido, pois não tenho tempo para coisas novas; quem diria para as páginas - uma - ou duas vzes - que já lidas!

    Mas a questão não é o tempo, e sim a vontade de "redescobrir que posso me oferecer a este prazer".

    Obrigado pelas palavras. Para mim, parabéns.

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