quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

sobre o (des)prazer da leitura



Haviam lhe oferecido um livro. Ele o observou com desinteresse. Não encontrava naquelas páginas nada que o seduzisse. Desistiu de ler enfim, depois de três páginas. Mas a atividade pedia que lesse o livro inteiro. Pagou para que o fizessem. Estava livre da leitura. E do prazer que sentiria somente anos mais tarde quando, incumbido das férias deparou-se com o mesmo livro a lhe observar. Retira-o da estante. E esse lhe revela outros mundos, diferentes dos que ele já estava habituado. Não havia pensado na leitura como fonte de prazer. Por que antes não havia sido seduzido? Porque haviam uns papéis que enclausuravam o enredo e prendiam a história em teorias de interpretação aptas a depositar numa folha em branco antecedida de perguntas tão vazias quanto "o que o autor quis dizer?". Descobriu que nem o autor sabia muitas vezes o que dizer e que o texto falava por si. Descobriu que a mesma história pode abrir janelas para outras reflexões que não aquelas únicas e irrevogáveis descritas pelo professor. Descobriu que tinha o direito de ler no tempo que quisesse e não num tempo determinado e que as palavras tinham sabor. E sentiu-se triste por não haver aprendido antes. Agora, haviam tantos livros para ler, tantos universos para desbravar, tantas ideias para chamar de suas. A visão fraquejava, as mãos trêmulas não davam mais conta de segurar nas mãos o amante fiel que ia com ele para a cama todas as noites. Para o seu novo amor, não precisava prestar contas. As páginas estavam ali sempre á espera do reencontro. Descobriu que a leitura não podia ser vista como hábito. Os hábitos produzem ações automáticas. Descobriu que a leitura era sinônimo de amor e aprendeu, ainda que tarde (?!), que podia fazer amor todos os dias e as palavras lhe corresponderiam com a fidelidade de quem esperou uma vida inteira para concretizar seu amor. Não é preciso incentivar apenas a leitura. Os livros são amantes incondicionais. Ensinando isso podemos criar amantes que os tratem como íntimos, sem indagações perniciosas ou diminuidoras do efeito que somente uma boa leitura pode proporcionar.  


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