terça-feira, 14 de dezembro de 2010

sobre acasos e arrebatamentos

Uma noite qualquer encontramos nosso destino descompromissadamente pelas ruas, a observar o vazio. Perguntamos o que ele faz ali e ele diz que está a esperar por nós. Que ainda vai meter o bedelho em nossa vida quando não soubermos o que fazer, para silenciar nossas angustias ou para simplismente nos silenciar.Outro dia imaginei que seria bom ir ao teatro.Você descobre que é preciso alguns instantes de lazer quando sua mente está prestes a entrar em erupção. Convidei dois amigos. Ela, ansiosa pela apresentação que viria a seguir. Ele, curioso pelo que seria um teatro afinal e o que atraia as pessoas a um local tão inóspito quanto misterioso.Encontraram na porta do teatro outro amigo, acompanhado de sua irmã. Havia uma música ora suave, ora explosiva nos acordes e sem que houvessem sido avisados, um grupo toma conta do palco. Seu nome não poderia ter sido outro: "Gênesis". Sim, a música parecia ter nascido com eles, dentro deles, brincava em seus corpos tal criança travessa a ensaiar os passos. Tudo parecia tão perfeito, os encaixes entre melodia e os ecos dos corpos dançantes, que tivemos a impressão que...na verdade, não conseguimos exprimir o que sentíamos, tamanho êxtase que nos encobria. Fomos carregados para o mundo das lembranças e sensações de coisas que nem sabíamos ter vivido. Não podíamos olhar para os lados. Nos haviam hipnotizado.Um universo de cores, sons, ritmos e nós estávamos ali, embasbacados, absortos, entregues ao que de melhor a música tem a oferecer aliada a dança. Definitivamente concordo com esta frase que li uma vez: "o que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?". Sim, porque as sensações que ali sentíamos nos traziam lembranças particulares que ressucitavam a cada instantes, em cada nota. Um ruído e um gesto e tínhamos á nossa frente o desligamento de nosso cotidiano. Até não restar mais nada daquilo que conhecemos. Somente lembranças e sensações indescritíveis. Até que os olhos ficaram marejados e nos olhamos aos poucos, depois do último passo dos dançarinos. Não éramos os únicos. E o destino, este que eu havia encontrado outra noite,  sorria de leve, aplaudindo de pé. E nós não sabíamos que estávamos tristes.Diante da beleza só nos resta entristecer. Toda beleza traz consigo um pouco de tristeza, porque as coisas que amamos, as nossas lembranças um dia têm de morrer para morar na memória. Descobri que para isso existe a arte. Para ressucitar os mortos que há dentro de nós e trazê-los a dança interminável da saudade. Saudade, como dizia o Rubem Alves, é o revés do parto. é arrumar o quarto para o filho que já morreu. Quero arrumar o quarto de minhas lembranças, para que, quando chegarem, possam embalar meu sono, olhar pela janela e contar histórias de um tempo que já se foi e que, se não existe mais, é para renascer a cada instante em que o acaso nos encontrar distraidos...

Um comentário:

  1. ...

    Perdidos entre os contornos
    de uma dança que parece interminável
    e os olhos absortos no vazio
    e a sensação de que não se pode explicar
    a melodia entre os corpos dançantes
    o ruído quase inaudível das memórias
    e as lágrimas contidas que
    derramadas para dentro
    das faces expectadoras
    silencisamente explodem tímidas
    e erupções de sorrisos contidos
    e ouvidos seduzidos pelo teor do silêncio.
    Nas entrelinhas do som
    encontro a desconstrução de quem sou
    apenas o vazio
    e a contemplação...
    nada adianta eu procurar o que senti
    apenas leves repercussões restarão
    do que realmente lembrei ao me deixar seduzir
    num instante que estende seus braços
    para eternalizar
    a arte que ecoa em nós
    -pedaços de seres insignificantes-
    que precisam se unir
    para juntar os cacos
    e trilhar caminhos
    mais completos e trilhas impensadas
    repletas de melodias
    desumanas, porque mais de divino trazem consigo
    E de vez em quando os deuses
    tem pena de nossa condição
    e nos enviam seres com um pouco da melodia que não existe
    para nos levar a um universo
    em que, se não somos completos
    não é preciso
    somos todo sensações e nada mais importa...

    ResponderExcluir