quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

sobre o desejo de nos sentirmos (in)completos

A mulher havia perdido um seio. Chorando, ela abraçava o marido, sentindo-se mutilada na sua feminilidade e beleza. Como poderia continuar a ser amada pelo marido/? O marido a aperta carinhosamente contra o peito e lhe diz: "De agora em diante, ao abraçar você, o meu peito estará mais perto do seu coração".

As palavras não são minhas, eu li em algum lugar. Mas vieram como um sopro suave de docilidade e resolvi escrever. Se o texto não saísse bom, ao menos a epígrafe valeria o fracasso. Por que com o tempo, nos impusemos limitações, encontramos defeitos em nossos corpos, como se houvessem amputado nossas partes mais significativas. Passamos tempo demais encontrando motivos para engaiolar nossa felicidade nos privando de sentí-la por este ou por aquele motivo. Nosso futuro parece ser o maior empecilho. Confundimos felicidade com satisfação, afinal, ela só irá aparecer quando supridos nossos desejos. Esquecemos que desejos não sobrevivem ao tempo. Sonhos sim. Trocamos nossos sonhos por desejos traçados de imediato. A felicidade só será completa quando encontrados os objetos de nossa busca. E nos sentirmos preenchidos. Qual não é a surpresa quando, ao encontrar o que buscamos, vem outro vazio maior que o anterior para ser preenchido com outros desejos. Um caminho ininterrupto, consequente de nossas mentes receosas de acreditar no efêmero, de lhe atribuir algum significado. E caem desfalecidas gotas de orvalho a cada manhã, e a chuva lacrimeja uma aura de poesia escondida que vai se revelar na aurora ignorada de nossos dias. Não temos tempo para ficar perto de nosso próprio coração. Das coisas que amamos. De redescobrir o que realmente para nós tem significado. Um vento que  nos amedronta, um sol que nos ofusca, uma liberdade que nos prende em nossos lares reclusos. Podados de nossas asas, passamos a viver enquanto galinhas, amedrontados, esperando que deixem de nos amar a qualquer instante. O tempo vai passando e ficamos diferentes. Caem as plumas e o penacho colorido de nossa cabeça. Os vermelhos, os azuis, os verdes tornam-se um cinzento triste. E vem o silêncio: deixamos de cantar. E cortamos nosso seio até que apareça alguém com poesia o suficiente para nos dizer : "De agora em diante, ao abraçar você, o meu peito estará mais perto do seu coração". Lembramos de uma parte nossa chamada coração e talvez, com os olhos lacrimejantes, descobrimos que ainda com nossas limitações, haverão os sonhos para nos abraçar e nos transportar para o nosso mundo de dentro, e ali encontraremos a felicidade, ainda que tarde e a despeito de todo o resto...


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